Alocar sua atenção de forma consciente aumentará seu foco e, consequentemente, sua produtividade.
Eu costumo ser uma pessoa bastante focada. Sou daquelas pessoas que precisam ser chamadas várias vezes para se dar conta de que alguém está chamando. Não me ajuda muito nos meus relacionamentos, mas me ajuda a não perder o fio da meada do que estou fazendo. Mas a verdade é que, mesmo sendo uma pessoa focada, muitas vezes o excesso de demandas me sobrecarrega. Ao invés de fazer o que tenho que fazer num dado momento, fico pensando em dezenas de outras demandas, e acabo não focando no que preciso terminar naquele momento. Entro no que chamo de ciclo vicioso da desatenção:
Especialmente em posições de liderança, onde você recebe demandas de diversos lugares diferentes (de dentro e fora da organização, de cima ou abaixo na hierarquia), é fácil entrar nesse ciclo vicioso. A cada nova atividade que você começa, várias outras pulam na sua atenção em um dado momento, desviando o seu foco da atividade em questão.
Dependendo do que você estiver fazendo, esse não é um problema tão grande: certas atividades até podem ser realizadas sem prestar tanta atenção no que se está fazendo. É o caso de atividades mais mecânicas e repetitivas.
O problema é que problemas complexos, que são os que realmente geram valor, não funcionam dessa forma. Para desenvolver um código complexo, uma estratégia inovadora, ou um texto criativo, você precisa estar focado. Foco é uma condição necessária para trabalho cognitivo em alto nível. Não por acaso é tão difícil voltar a resolver um problema se você for interrompido: você precisa trazer seu processamento cognitivo ao mesmo nível que estava naquele momento anterior, e isso não acontece do nada.
Em papéis de liderança, muito do que você faz que “mexe o ponteiro” exige trabalho cognitivo em alto nível. Me parecia que minha capacidade de gerar valor de forma mais consistente passava justamente por essa pergunta: como alocar minha atenção de forma mais estratégica?
As zonas na qual sua atenção está espalhada
Ao examinar meus momentos de maior foco, notei o seguinte: estou focado quando a única coisa na minha mente em um dado momento é o que estou fazendo naquele momento. Isso não quer dizer que as demais não são importantes, apenas que não estou pensando nelas naquele momento. Isso me levou a entender a atenção em três partes:
1. Zona de atenção imediata
É a parte da sua atenção que está direcionada ao que você está fazendo em um dado momento: a reunião que está participando, o relatório que está preparando, ou o planejamento que está escrevendo. O que está na zona de atenção imediata acessa suas maiores capacidades cognitivas: afinal de contas, você só consegue fazer coisas difíceis se está focado naquilo (já tentou resolver uma equação complexa assistindo um filme?) É onde queremos estar na maior parte do tempo, para conseguirmos executar o que queremos de maneira focada. Ela é atrapalhada justamente pela…
2. Zona de atenção secundária
Essa é a parte da sua atenção que está sendo consumida, mas não necessariamente está gerando valor. É aquele compromisso seguinte que você fica pensando durante uma reunião. Ou outra entrega que lembra precisa realizar, enquanto faz uma mais urgente, ou mais importante. De forma geral, é tudo que, apesar de possivelmente relevante ou importante para você, provavelmente está ocupando sua cabeça na hora errada, e te impedindo de focar o máximo no que está fazendo.
3. Zona de desatenção
Por último, temos a zona de desatenção. A zona de desatenção é, basicamente, todo o resto: coisas importantes ou não que poderiam estar na sua mente em um dado momento, mas não estão. Parece óbvio constatar que existe uma zona que configura “todo o resto”, mas reconhecer sua existência é relevante: não necessariamente o que está na sua zona de desatenção é algo que não é importante para você. Por exemplo, se você se preocupa com política, o caos da política (não apenas brasileira) pode ser algo relevante para você. Mas não necessariamente você fica pensando nisso durante todo o dia de trabalho: no geral (exceto pelos dias mais “históricos”), é um assunto que fica no seu devido “lugar mental”, até ser convidado ao palco principal da sua atenção (quando você lê uma notícia ou assiste o jornal, por exemplo).
Olhando para esse modelo, fica claro que o foco envolve, fundamentalmente, minimizar sua zona de atenção secundária. Ou seja:
Focar o máximo possível no que você está fazendo no momento;
Estrategicamente, ignorar o resto.
4 práticas para aumentar seu foco
Depois de criar uma estratégia geral para ter mais foco (minimizar o que chamei aqui de atenção secundária), pude começar a testar algumas práticas para testar essa estratégia. Quatro delas se mostraram bastante úteis nesse aspecto:
1. Tirar suas demandas da cabeça
A primeira prática talvez seja a mais simples de todas: tire as coisas da cabeça. Uma das melhores formas de não se preocupar mais com alguma coisa é escrever sobre ela, não por acaso, fazer uma lista de tarefas é uma boa forma de diminuir sua ansiedade.
Minha recomendação aqui é fazer um processo de “esvaziamento mental”, ao listar uma demanda, não colocar apenas o que tem que ser feito e quando, mas ideias, anotações, links úteis, anexos, e o que mais você já pensou sobre isso. Dessa forma, você não fica pensando nela enquanto está focado em algo na sua atenção imediata, e não começa do zero quando for a hora de executá-la.
2. Organizar suas demandas em fluxos específicos
Outra questão que contribui para a sensação de sobrecarga é a diversidade de canais pelo qual uma demanda chega: Slack, e-mail, Whatsapp, e o que mais for. E o problema não são apenas os canais, mas a expectativa que se tem sobre eles: pode exemplo, espera-se que uma resposta no Whatsapp, no geral, seja rápida, independentemente do que você está fazendo. Além disso, o canal influencia no nível de contexto necessário para atender a demanda: na maioria das vezes, uma mensagem traz menos informações do que se espera do que um e-mail, por exemplo. Isso acaba requerendo uma ida e volta de mensagem para definir exatamente o que deve ser feito, gastando precioso tempo que poderia ser gasto executando. Uma forma interessante de lidar com isso é, ao máximo, criar fluxos para receber demandas. Por exemplo:
● Você pode criar um formulário para receber demandas específicas. No meu caso, que crio e reviso certos sistemas de gestão interna, por exemplo, crio formulários que exigem com que a pessoa seja o mais clara possível ao fazer o pedido, para impedir uma troca grande de mensagens.
● Você pode direcionar as pessoas. Já ocupei funções onde poderia ter conversas relevantes sobre atividades pelo Whatsapp, mas o “pedido” sempre precisava ser enviado no Slack, que eu acessaria na hora certa.
Claro que nem sempre é possível organizar seus fluxos, dependendo da natureza das suas demandas. Mas criar mecanismos para (1) transferir para o solicitante maior responsabilidade por detalhar o que se espera e (2) criar repositórios de demandas que você acessa de forma planejada ao invés de imediata, já te ajuda a organizar o momento que você pretende trazer algo para sua atenção imediata.
3. Se “planejar para se preocupar”
No geral, as demandas não pedem permissão para ocuparem nossa atenção: elas simplesmente aparecem lá. Mas muitas das demandas e preocupações que ficam circundando nossa atenção imediata não precisariam estar ali: nem tudo requer sua atenção a todo momento. Para me livrar da eterna preocupação de “estar equilibrando vários pratos”, comecei a criar momentos específicos para me preocupar com certas questões e demandas.
Por exemplo:
● Se tenho uma reunião importante agendada, bloqueio um horário anterior na minha agenda focado em me preparar para a reunião: o que pretendo argumentar, o que penso sobre, minhas prioridades, e por aí vai.
● Se acompanho certos números com frequência, e estão em alguma plataforma que permite automações, configuro fluxos me que notificam quando algum número merece minha atenção. Por exemplo, se algum gasto está mais de X% fora do esperado para o mês, me notifique.
● Se uso certas informações estratégicas para tomar decisões e alimentar meu trabalho, me planejo para consumi-las com certa frequência. Por exemplo: certas informações financeiras, apesar de importantes, não são urgentes, ou seja, não precisam ser acompanhadas diariamente de forma obcecada (como por exemplo, o agregado de gastos).
Dessa forma, determino momentos da minha agenda para analisar os números (no geral, duas vezes por mês) e, no resto do tempo, não me preocupo com isso (ou uso as notificações que propus acima).
Nem tudo que parece urgente o é, e nem tudo que é importante precisa da sua atenção o tempo todo. Planejar momentos para se preocupar com certas questões te ajuda a não precisar ficar pensando nelas nos demais momentos.
4. Planejar momentos de distração
Em um mundo de distrações, é muito difícil manter o foco o tempo todo. Especialmente ao realizar atividades difíceis, é muito fácil pegar o celular e navegar por alguma rede social para descomprimir. E usar redes sociais não é um problema, o problema é quando elas entram no seu trabalho e te tiram do foco em uma atividade importante.
Uma forma que descobri para lidar com isso é aceitar que as distrações acontecem, e me planejar para elas. Por exemplo: se eu terminar uma atividade, irei navegar algum tempo em uma mídia social específica. Dessa forma, consigo me descomprimir (e me atualizar), sem o sentimento de culpa de “eu deveria estar fazendo outra coisa”.
Há quem diga que, no mundo de hoje, atenção é nosso bem mais precioso: algumas das maiores empresas do mundo construíram seus modelos de negócio ao redor de tentar capturar a sua. Justamente por isso, nunca foi tão importante ser uma pessoa focada: em um mundo de distrações, é cada vez mais difícil produzir o tipo de trabalho que requer foco ininterrupto.
Nesse mundo, a atenção estratégica é uma habilidade fundamental. É o que te ajuda a decidir onde você vai focar, e ser firme nessa decisão. E isso é extremamente valioso. Entender como sua atenção está alocada não é apenas um “hack de produtividade”, mas um diferencial estratégico para sua carreira.
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